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Nova imagem do James Webb revelou detalhes nunca vistos no centro da Via Láctea — Foto: NASA, ESA, CSA, STScI e S. Crowe (University of Virginia)

O futuro como doença grave

Cacá Diegues - Jornal O Globo - 11 de fevereiro de 2023

Vivemos um momento para o qual fomos atirados e do qual ainda não conhecemos a saída. E se não houver saída?


Segundo os estudos mais respeitáveis de biodiversidade, a vida na Terra atingiu seu ápice há cerca de 4,5 bilhões de anos. Nesse período, o Sol que a ilumina e alimenta aumentou seu brilho em cerca de 30%. Como só conhecemos vida na Terra, nos convencemos de que o planeta que se candidate a tê-la precisa ter água líquida em grande quantidade. Podemos concluir que a vida em sistemas planetários não deve ser muito comum.

Mas, como dizia Carl Sagan, a falta de evidência não significa evidência de falta. Como o Universo está em expansão e não tem um centro, as nebulosas que vemos daqui são outras galáxias, como está comprovado desde 1924, quando Hubble usou seu formidável telescópio pela primeira vez. Nessas outras galáxias, muitas outras Terras podem estar nascendo e formando suas populações. Esse conhecimento a nós concedido é uma dádiva que se torna responsabilidade diante de todas as descobertas.

Imagine só: só a Via Láctea possui cerca de 200 bilhões de estrelas que formam as tais nebulosas!

A preciosidade que é a vida na Terra pode ser considerada uma coisa secundária, se nos for dado concluir que a variedade é uma qualidade essencial da existência, não cabendo mais as utopias de coisa única.

A realidade do século XXI é mais poderosa do que as previsões e conclusões de futurólogos anteriores. Hoje considerar a vida um exemplo de uniformidade é reagir contra tudo que já se sabe sobre ela, sobretudo seu caráter múltiplo, sua característica de distintos fenômenos em distintas circunstâncias.

A vida na Terra é pois um fenômeno especial, consequência de fatores que se deram no planeta mas poderiam também ter-se dado em outro espaço privilegiado como o nosso. O resto da natureza pode não ter percebido de cara o fenômeno, o que parece só estar acontecendo agora; mas o real não tem nada a ver com isso, e sua tardia reação pode muito bem ser considerada um atraso fisiológico que só agora está sendo corrigido.

E uma defesa de sua sobrevivência. Se isso for verdade (como parece que é), agora é que estamos começando a tomar conhecimento de nossas dificuldades originais e portanto enfrentando assim, pela primeira vez, seus percalços. Sendo o mais crucial deles o do fim da vida no planeta. É disso que estamos tentando falar para nos preparar para aquele momento, o momento do fim de uma sofisticada experiência da qual a natureza tomou parte e que agora prefere (ou tende a) ignorar.

As guerras de extermínio pelo mundo afora, das quais estamos participando ou das quais tomamos conhecimento, não são acasos que corrigiremos com o tempo. Elas indicam uma vocação e um destino dos quais não temos como escapar. São a fatalidade em que a natureza nos aprisiona, as situações sem saída em que ela nos oferece a ausência de progresso como temos experimentado até agora. O progresso acabou, terminou essa relação amorosa com o futuro com que sonhamos, com o equilíbrio das coisas que nos provocam para o bem e para o mal.

O progresso e o desejo desse futuro são características de nosso delírio juvenil, a doença grave que nossa juventude, como gênero, anda sofrendo nestes últimos anos.

Não sei se poderemos superar dificuldades assim. Existem outras com as quais não temos intimidade, mas das quais podemos nos aproximar, não sei. E elas vão surgir diante de nós. O fato é que, por tudo isso, vivemos um momento para o qual fomos atirados, sem entender muito bem o que se passou ou se passa.

E do qual ainda não conhecemos a saída. E se não houver saída? Aí temos que pensar no que fazer, não tem outro jeito.