Artigo

As nações frente a frente

Cacá Diegues - Jornal O Globo - 15 de outubro de 2023

Um povo se torna o carrasco do outro, como vizinhos que se enfrentam para sempre sem recordar o porquê


Não gosto de comentar notícias públicas, nacionais ou internacionais, não acho que seja essa a meta de um espaço de jornal como o nosso. Em geral, chegamos atrasados ao centro das discussões ou simplesmente não é mais o assunto que interessa ao leitor. Mas desta vez não tem outro jeito.

Estamos nos referindo à surpresa que o Hamas produziu no mundo, no início dessa semana, com o anúncio bombástico em relação a seus inimigos e vizinhos.

O anúncio era de que o Hamas ia acabar com os judeus que moram ao redor da Faixa de Gaza, em represália ao que esses andaram aprontando contra a “paz” em seu território. O Hamas prometeu não só guerrear contra os judeus da região, como também expulsá-los de uma vez por todas.

O Hamas surpreendeu o mundo com sua ameaça sem alternativa; e, para não haver dúvida decretou a imediata perseguição, prisão e morte dos “inimigos”. Uns (eu diria muitos) já foram até cruelmente eliminados. Ou seja, assassinados.

E a reação, das vítimas potenciais ou não, é de total solidariedade! Elas dão razão aos insensatos, confirmam sua disposição e prometem fazer o mesmo se tiverem a oportunidade de agir assim, do mesmo modo.

Esse é mais um caso de barbarismo, mais um caso de vida em comum resolvido na porrada. Um determinado grupo de nacionais escolhe um inimigo que se torna objeto declarado de extinção por motivos nunca muito claros.

Um momento ainda não explicado de dúvidas sobre origem e culpas faz com que palestinos se tornem inimigos figadais de judeus (ou vice-versa, tanto faz). E pronto! Tão cedo a acusação não será esquecida, um povo se torna o carrasco do outro, como dois vizinhos desequilibrados que, diante de um muro ou coisa que o valha, se enfrentam para sempre sem se lembrar mais o porquê.

Isso exatamente no momento em que vivem num terreno em crise, ameaçado e ameaçando-os de se acabar.

A história desses povos se tornará um permanente relato de inverdades, se inventarão mitos que serão motivos de pequenos escândalos, razões de sobra para se castigar uns aos outros. E de repente uma série de grandessíssimos escândalos serão “revelados” sem base nenhuma na realidade. Eles se tornarão motivos seculares de uma “verdade” guerreira que, através de gerações, irá prejudicar as relações entre os dois ou demais povos.

Em breve, o planeta estará dividido entre dois poderes capitais: os que dão razão a um e a outro, sem serem capazes de distinguir com clareza as razões de uns e de outros. Sem conhecer de fato a razão de cada um.

E isso, no tempo, é pior que torcida organizada de futebol. Não haverá nunca, no estádio em que se joga o jogo, um placar fixado com os gols da partida para que possamos celebrar sem culpa o vencedor e tentar consolar o vencido pelos quais torcemos.

O avanço da Humanidade se dará sempre pelo que ela puder somar e nunca subtrair. É preciso estar sempre atento ao progresso, o nosso e o dos outros.